RESGATE HISTÓRICO 08:
REMINISCÊNCIAS...
O MUNDO DE DONA CHIQUINHA...
O MUNDO DE DONA CHIQUINHA...
Manuseando
alguns jornais antigos, arquivados no meu acervo de memórias históricas
de Itajaí, resgatei um texto interessante, da escritora Didymea Lazzaris de
Oliveira, publicado em sua coluna semanal, na Folha do Povo -
um semanário que circulou, em Itajaí, no final dos anos 90.
Em seu
espaço de Reminiscências, Didymea retrata o cotidiano de
uma rua – a Rua Lauro Muller, de sua infância; em um
resgate histórico rico em detalhes e informações. Na tentativa de reconstruir
aquele cenário de outros tempos, revisitando a “Itajahy de Ontem” ,
transcrevemos o texto:
“DONA
CHIQUINHA MELO”
Oh!
Mundo, que já foste mundo
Oh!
Mundo que já não és
Oh
mundo que estás virado
Da
cabeça para os pés
Isso
cansei de ouvir, quando ainda era menina, de uma senhora muito velhinha que se
chamava Chiquinha. Era a Dona Francisca Corrêa de Mello, mãe das grandes
mestras do Grupo Escolar “Victor Meirelles”: dona Hilda Mello de Farias, mãe do
jornalista Roberto; dona Maria Francisca de Mello Pereira, a dona Dica, como
era conhecida; Dona Zoê, que ficou solteira, Diretora do Grupo Escolar “Lauro
Muller”, que funcionava na Vila Operária. Dona Chiquinha era mãe também de
Amélia, minha madrinha; de dona Fredesvinda Schnaider, conhecida por Sinhá e
Corrucha Coelho. Esta não cheguei a conhecer. Falecera ao dar a luz a uma
filha, a Conceição.
Morávamos
na Rua Lauro Muller, uma das mais antigas da cidade. Ali, as casas eram
espaçosas e, por isso, geralmente eram repartidas em duas residências.
Bem de
frente para a nossa casa, ficava a Delegacia de Polícia onde, obrigatoriamente,
os ônibus deveriam fazer parada para a inspeção dos passaportes. Com isso, a
rua ficou mais movimentada e Dona Chiquinha, naquele tempo, já fazia o seu
relax, caminhando na calçada, de uma extremidade à outra de nossa quadra, que
começava com um terreno baldio, à esquerda, para quem vinha da Igreja da
Imaculada Conceição. Logo em seguida, moravam os pais de Juventino Linhares,
que dividiam a casa com um Oficial do Exército. Em seguida, morava Antônio
Fóes. Numa casa muito grande, que fora de Alfredinho Moreira, morava de um
lado, o Prof.Pedro Paulo Phillippi, o Inspetor Escolar; e, na outra parte, a
viúva de Alfredinho, Dona Geny; que alugou uma sala para o senhor Antônio, o
sapateiro.
Continuando,
vinha a casa de Dr.Ivo Stein Ferreira, onde, atualmente, funciona a PROARTE.
Nos fundos de um espaçoso terreno, com frente para a Rua do Mercado, onde em
seguida, a prainha do rio, em duas casinhas brancas de alvenaria, moravam as
irmãs: Ortissa, que era solteira; e Vermínia, que era mãe de uma professora, a
Regina, que lecionava no Sertão dos Macacos, em Camboriú. Elas eram
negras e conviviam muitíssimo bem com os seus vizinhos daquela quadra. Uma
dessas casas ainda existe. Os terrenos começavam na Rua Lauro Muller e tinham
fundos na Rua do Mercado.
Depois
destas casinhas, novamente de frente para a Lauro Muller, vinha a casa da viúva
Dona Chiquinha Mello; onde numa sala espaçosa funcionava o Cartório de Nilo
Bacelar. Unida a essa casa, ficava a de Dona Santa Cabral Rothbarth; também uma
viúva que tinha um pequeno comércio de secos e molhados. Naquela época, em
tempos idos, funcionara o Correio. Unida a ela, vinha a de meu pai, Batista
Lazzaris. Em nossa casa, havia morado o “Flores”, que era agente do Correio;
por isso, as duas tinham uma porta de comunicação. A nossa casa também era
dividida com o Senhor Osvaldo Opuscki, o guarda noturno. A quadra terminava com
a casa de Urbano Vieira, onde Marcos Konder morara por muitos anos.
Atravessando
a rua, agora pelo lado oposto, voltando-se para a Igrejinha; a quadra começava
com um casarão dividido em duas residências: a do Comandante Orlando Pires e,
ao lado, a do Senhor Osvaldo Melchiades. Em seguida, vinha a Delegacia de Polícia,
onde também residia o Escrivão, Senhor José Bella Cruz Souza, pai de nossa
conhecida radialista Irene Souza Boemer; e sua irmã Hilda Souza; que, a
convite, foi secretária da Diretoria da Rádio e TV Bandeirantes, de São Paulo;
onde também destacou-se como grande radialista.
Continuando,
vinha a residência de Dona Ana Schnaider, uma parteira que muito bebês
itajaienses ajudou a nascer. Um beco nos levava, lá nos fundos, à casa de Dona
Liquinha, uma grande costureira; ao lado do beco morava a Dona margarida, a
lavadeira dos ricos, que também lia as “cartas”; num belo pomar, morava o
senhor Manoel Gaya Neto; ao lado estava a casa de Dona Maria Rocha, viúva do
Comandante Rocha. Ela dividia sua casa com a viúva Catarinha Buchele Santos.
Vinha, a seguir, o Dr.Menescau Dumont e, encerrando a quadra, a belíssima casa
de Dona Mariquinha Malburg (Maria Raposo, de São Francisco), esposa de Carlos
Malburg.
Este
era o espaço de Dona Chiquinha, na Rua Lauro Muller que, antes da Proclamaçãoda
República, se chamara Conde D´Eu. Dona Chiquinha Melo, minha amiguinha, era uma
senhora muito querida que guardo entre as recordações da minha infância.
Todas
as manhãs, eu ficava esperando-a sentada no único degrau da escada, rente à
calçada, que dava acesso à nossa casa. Ela vinha vestido de luto, há quanto
tempo nem sei dizer, acredito que nele eu ainda não existia; possivelmente,
depois do luto pelo marido, fora pela filha que falecera ao dar a luz.
No
bolso do seu avental, muito comprido, sobre uma saia rodada rente ao chão, ela
trazia uma massinha de erva doce. Era para mim. Parece-me ainda sentir na boca,
o gosto daquele pãozinho. Mostrando-a a ela, dizia com grande satisfação: Está
aqui!
Saíamos
as duas caminhando, lado a lado; eu saboreando a minha massinha de erva doce; e
ela, cantarolando ou reclamando que a rua estava muito barulhenta; que os
jovens dos ônibus não a respeitavam; que a guerra viera para tirar o sossego do
mundo...
Segurava
um terço que muitas vezes o colocou em meu pescoço, dizendo que era um colar.
Duas idades que se correspondia: a velhice e a infância. Ela, com a memória já
cansada, era simples como uma menina acompanhando a outra; e eu, na minha santa
ingenuidade, ficava toda faceira com aquele terço pendurado ao pescoço como se
fosse mesmo um colar.
Oh!
Mundo que já foste mundo! Se o mundo já estava mudado no tempo em que ela
existia, o que diria a coitada se vivesse em nossos dias? Ah! Dona Chiquinha!
Agora é que ele está mudado! Vou fazer para a senhora, a minha trovinha
lembrando que, depois da sua, as coisas não melhoraram, apesar de tantos anos
terem passado:
Oh!
Mundo que já foste, um dia
Um
mundo tão educado
Oh!
Mundo que estás virado
Num
mundo tão perturbado.
É
certo que, ao final dos anos, 90 - quando Dydimea publicou este texto – a
história de Dona Chiquinha já ia longe no tempo. O mundo estava
mudado; a cidade estava mudando; e a Rua Lauro Muller seguia seu rumo natural
de transformação e progresso.
À bem
da verdade, esse texto nos remete a uma luta incessante de alguns amantes
da cultura, pela preservação do nosso Patrimônio Histórico. Há muito tempo,
Itajaí vem perdendo seus espaços mais nobres. O chamado
“Centro Histórico” vem cedendo espaço a outras construções; e muitas
edificações que, outrora, contribuíram significativamente com a História da
cidade; sobrevivem, apenas, na Memória de seus mais antigos moradores. É o caso
de Dona Chiquinha, cuja história se perdeu em meio a um mundo
perturbado; e que Dydimea soube resgatar de forma brilhante, em suas reminiscências.
Mais
do que isso, a casa de Dona Chiquinha é exemplo vivo deste descaso com a história
e com a memória de nossa gente. A conhecida Casa Mello, na Rua Lauro
Muller, apesar de tombada pelo Patrimônio Histórico, está em ruínas. Eis o que
resta do Mundo de Dona Chiquinha:
A Casa
Mello, localizada na Rua Lauro Muller 355, é uma das poucas construções
remanescentes do Século XIX. Teve sua construção por volta de 1890, e é um dos
últimos exemplares existentes, com características da arquitetura colonial, em
Itajaí; tanto no formato do seu lote, como na sua construção. Nos Séc.
XVIII e XIX, os lotes eram padronizados, com cerca de 10m de frente e de grande
profundidade. Os casarios eram construídos sobre o alinhamento das vias públicas
e paredes laterais sobre o limite do terreno. A construção no limite lateral
era para que a construção vizinha servisse como garantia de estabilidade e
proteção contra chuva.
O
imóvel foi tombado pelo Patrimônio Histórico, no dia 14 de agosto de 2006, através
do Decreto Municipal n.7535. Apesar disso, foi quase totalmente destruído, em
2009; e encontra-se abandonado, sem qualquer previsão de restauração.
O que
se vê – e as fotos não mentem – é que nada tem sido feito para preservar
a História da Casa Mello. E, em 2010, quando resolvi sair por aí
registrando os últimos vestígios de uma Itajaí de outros tempos,
encontrei o Mundo de Dona Chiquinha prestes a desmoronar de
vez. Coisas desse mundo perturbado...
NOTA: Em maio de 2012, a Prefeitura autorizou a demolição das ruínas da Casa Mello. E então, o pouco que restava do Mundo de Dona Chiquinha virou pó !
Pesquisa
e Elaboração: Kika
Fotos: Acervo Pessoal Kika, Julho/2010.
Fontes:
FOLHA
DO POVO. Ano I, nº o8. 11/04/99. Publicação Semanal. Texto de Dydimea Lázzaris
de Oliveira.
Site da Prefeitura de Itajaí, sobre Intervenção da Casa Mello.
Data: 04/03/2008. Consultado em 31/01/11.
RESGATE HISTÓRICO 07:
A ITAJAHY DE ONTEM: ASSIM
ERA, NO PRINCÍPIO...
José
Bento Rosa da Silva, em sua obra “A Itajahy do Século XIX”, nos
conta que, quando Itajaí ainda era Freguesia, entre 1835 e 1844, a população
girava em torno de 1.686 habitantes; sendo 1.523 livres e 163 escravos.
Com base nas memórias de Antônio da Costa Flores, José Bento resgatou o seguinte depoimento:
“No Itajaí não havia então nenhuma rua, nem se falava em arruamento. Nas imediações do local em que presentemente se acha a Matriz, existiam uns alicerces de pouco mais de meio metro de altura; construído por um pedreiro escravo do Major Agostinho, de nome Simeão; para a igreja, e uma meia água muito pequena de taipa, sem reboco, coberta de telha, sem forma exterior de templo e conhecida por Casinha de Nossa Senhora, porque agasalhava uma imagem de Nossa Senhora da Conceição. O cemitério ficava no terreno sito nos fundos dessa casinha e ia até perto da atual casa do negócio do senhor Pedro Bauer.”
A Igreja da Imaculada Conceição - também conhecida como Igrejinha Velha - está localizada no marco Zero da cidade, bem próximo ao Rio Itajaí-Açú; mais precisamente no início da Rua Hercílio Luz, na Praça Vidal Ramos. É considerada um dos monumentos mais significativos da História itajaiense.
A atual construção é uma "ampliação" da
antiga Matriz, inicialmente edificada em pedras e tijolos, a partir de 1834,
pelo escravo Simeão; substituindo a primitiva capela de pau a pique, iniciada
em 1823.
Pelo
que se sabe, através da história oral, a parede original construída
por Simeão, ainda está lá, nos fundos da Igreja; na divisa com uma pequena sala
comercial, onde ainda funciona a Papelaria São Luís.
José Bento, entretanto, chama atenção para a falta de registros a respeito do construtor da Igrejinha Velha: “Simeão, ainda hoje, continua oculto, parte de uma história invisível; mas que sem ele, a igreja tampouco teria sido como foi ou é na atualidade.”
Vejamos
mais alguns depoimentos, coletados pelo pesquisador, a partir das memórias de
Costa Flores, e que retratam a Freguesia do Itajahy:
“Nos terrenos que o atual perímetro urbano desta cidade abrange e que, como sabe atinge a dois quilômetros, a contar da igreja matriz para todos os lados, exceto para o rio, que fica a muito pequena distância; contavam0se umas cinqüenta casas, entrando neste número pequenos ranchos miseráveis que, além de serem coberto de palha, compunham-se de um só compartimento com paredes feitas de ripas fincadas junto às outras. Todas as casas, salvo a do Major Agostinho (a melhor que havia) que era construída de pedra, tijolo e cal; tinham as paredes externas de taipa, isto é, de pau a pique amarrado com ripa, barreadas, sendo que só três ou quatro eram rebocadas e caiadas. (...) Não havia nenhuma casa com paredes externas de taboas. Passaram-se anos antes que existissem engenhos de serrar (...)”
“(...) mais ou menos por onde correm as Ruas Lauro Muller e Pedro Ferreira, ao lado oeste, havia apenas quatorze casas; sendo nesta quatro e naquela dez, entre as quais a do Major Agostinho que é agora de propriedade da viúva do Sr. Henrique Schneider. Essas quatorze casas estavam assim dispostas não porque obedecessem alinhamento, mas porque todas davam frente para o rio e acompanhavam a direita da praia (...)”
As memórias de Costa Flores registraram ainda, segundo José Bento, os terrenos ao sul do povoado, conhecidos com o nome de Fazenda, e um dos bairros mais antigos de Itajaí. Lá residiam Dona Felícia Alexandrina de Azevedo, viúva de certo oficial, que teria governado a então Província de Santa Catarina; e sua filha de nome Carolina, casada com o Capitão Benigno Lopes Monção. Eram proprietárias de muitos escravos, grande cafezal, muitas laranjeiras e outras árvores frutíferas; além de um engenho de mandioca e açúcar.
Um pouco mais além dos limites do povoado, as memórias se estendem à periferia, e registram: “Para os lados da Praia Brava, creio que os moradores ali eram poucos; era onde mais se plantavam algodoeiros e mais se fazia riscado da terra.”
Estes parecem ter sido, portanto, os primeiros registros que se tem notícia sobre o Bairro Fazenda e Praia Brava; em meados do Século XIX, quando Itajaí ainda era uma Freguesia.
No início do Século XX, mais precisamente a partir de 1904, o memorialista Juventino Linhares nos brindou com inúmeros registros do cotidiano dos bairros - do então emancipado Município de Itajaí - e seus personagens mais folclóricos. Mas isso é outra história...
Pesquisa e Elaboração: Kika
Fontes:
JOSÉ BENTO ROSA DA SILVA. A Itajahy do Século XIX – História, poder e
cotidiano. Itajaí (SC): Editora Casa Aberta; 2009.
RESGATE HISTÓRICO 06:
A PRIMEIRA CAPELA – A “CASINHA DE NOSSA SENHORA”:
Revisitando as páginas da História, não é difícil perceber que genealogia do
Município de Itajaí está relacionada, em um primeiro momento, a São Francisco
do Sul – uma das cidades mais antigas de Santa Catarina; cuja ocupação
temporária foi feita por espanhóis, por volta de 1553. De São Francisco
do Sul originou-se Porto Belo, Itajaí, Joinville, Araquari e Garuva.
Conforme nos mostra o Historiador Edson d´Ávila, em sua “Pequena
História de Itajaí”, antes da Criação do Curato, os primeiros moradores
do núcleo urbano que se formava, às margens do Rio Itajaí
Grande, cumpriam suas obrigações religiosas na Matriz de Nossa Senhora da
Graça do Rio São Francisco, a cuja Paróquia pertenciam.
Na época, o Templo religioso mais próximo era a Capela de São João
Batista de Itapocorói, distante duas léguas e meia do pequeno povoado. Diante disso,
o Vigário de São Francisco do Sul ouo Capelão Curado de Armação do
Itapocorói visitavam as casas do povoado do Rio do Itajahy, rezando
missas ou celebrando casamentos e batizados.
A partir de 31 de março de 1824, o “Curato do Santíssimo Sacramento do
Itajahy” passa a atender a região compreendida entre o Rio Gravatá (ao norte) e
Camboriú (ao sul); através do Capelão-Curado Frei Pedro Antônio Agote.
No mês seguinte à Criação do Curato, o casal José Coelho da Rocha e
Maria Coelho da Rocha – devotos do Santíssimo Sacramento - doa as terras para a
construção da primeira Capela e do Cemitério; com a expressa condição de
receber sepultura e salvação para suas almas.
A escritura de doação data de 02 d abril de 1824, e foi
lavrada a pedido dos doadores - que eram analfabetos; condição da maioria,
naquele contexto histórico.
Segue a transcrição do documento:
“Dizemos nós abaixo assinados com uma cruz que é o sinal de que usamos
JOSÉ COELHO DA ROCHA e minha mulher MARIA COELHO DA ROCHA, que somos senhores e
possuidores de trinta (30) braças de terra de frente, com sessenta (60) braças
de fundos, sitos neste Rio de Itajahy Grande, no lugar chamado Estaleiro; cujas
terras fazem, a Leste no dito Rio as frentes, os fundos a a Oeste com terras de
nossa propriedade. Extremam pelo sul com terá de AGOSTINHO ALVES RAMOS e pelo
Norte com terras de nossa propriedade; cujas terras assim confrontadas fazemos
a doação no valor de trinta mil réis ao Santíssimo Sacramento, para nelas ser
feita sua Capela e um cemitério com condição de semos dar a sepultura e fazer
nosso Bem d´Alma; cuja doação fazemos por muito nossa livre vontade e sem
constrangimento de pessoa alguma. E pedimos ao Senhor Bento José da Costa que
este por nós fizesse assinada com testemunhos e Nós assinamos com o nosso sinal
que é uma cruz.
Rio de Itajahy, 2 de abril de 1824
José Coelho + da Rocha
Maria Coelho + da Rocha
Como testemunhas que este fiz por ser pedido pelos ditos senhores:
Bento José da Costa
Como testemunha que lhe este vi fazer:
Germano
José da Silva.
Em uma tentativa de localizar os cenários, vale dizer que o
local chamado Estaleiro – descrito pelo “Documento de
Doação do Terreno da Egreja Matriz”, assinado em 02 de abril de 1824 – fica
no início da Rua Hercílio Luz, na Praça Vidal Ramos. E quando dizemos início
da Rua Hercílio Luz, é porque - ao contrário do que possa parecer - a Rua
começa ali, no Marco Zero; onde o pequeno povoado do Rio Itajahy iniciou
a sua História.
A primeira Capela-Curada foi construída de pau-a-pique e
barreada, conforme registram as memórias de Antônio da Costa Flores:
“(...) uma meia-água muito pequena, de taipa, sem reboco, cobertura de
telha, sem forma exterior de templo, e conhecida por “Casinha de Nossa
Senhora”; porque agasalhava uma imagem de Nossa Senhora da Conceição. O
cemitério ficava no terreno sito nos fundos desta casinha, e ia até perto da
atual casa de negocio do Sr. Pedro Bauer.”
Com a elevação do povoado à condição de Freguesia - a partir da
resolução assinada pelo Presidente da Província - em 12 de agosto de 1833,
Itajahy desliga-se da Vila de São Francisco do Sul; e integra-se ao Município
de Porto Belo. Surgia, então, a Freguesia do Santíssimo
Sacramento do Itajahy.
Neste meio tempo, a pequena “Casinha de Nossa Senhora” precisou
de reparos e acabou sendo substituída por uma construção de pedra e tijolo,
iniciada em 1834, por Simeão - um escravo do Major Agostinho. Começava ali, a
construção da primeira Matriz da Paróquia do Santíssimo Sacramento.
Segundo Edson d´Ávila, com o intuito de atender a um desejo da
Agostinho Alves Ramos, a Freguesia passou a ter uma co-padroeira – Nossa
Senhora da Conceição – de quem era contrito devoto.
Daí, a origem de duas datas comemorativas religiosas ainda respeitadas
no Município de Itajaí: a de Corpus Christi, em homenagem ao Santíssimo
Sacramento; e o dia 08 de dezembro, dedicado à Imaculada Conceição.
Em 1843, o Governo Provincial precisou socorrer a
Matriz, para levantar uma parede que havia caído. No entanto, em 1849, a Igreja
se encontrava em tamanho estado de risco, que o Vigário passou a
celebrar a Missa em sua própria casa. Dois anos mais tarde, em 1851, a Igreja
cai; e as imagens tiveram que ser recolhidas à casa de Agostinho Alves Ramos.
Uma vez reconstruída, a Primeira Matriz ocupava um espaço bem pequeno –
e que hoje, poderia ser comparado ao espaço que ocupam os bancos centrais da
Igrejinha da Imaculada Conceição. Somente em 1865, a obra conseguiu ser
concluída.
Com a Resolução n.464, de 04 de abril de 1859; – decretada pela
Assembléia Legislativa Provincial – a Freguesia do Santíssimo Sacramento do
Itajahy passa à condição de Vila; desmembrando-se da Vila de Porto Belo; e
agregando o distrito de Penha.
Todo esse processo provocou um crescimento populacional significativo;
que acabou exigindo a ampliação da antiga Matriz; e que de fato
aconteceu, a partir de 1889, com o alargamento e reformas internas – obras
concluídas somente em 1899.
Largo da Matriz , 1900
Primeira Matriz, 1915
OS PRIMEIROS CEMITÉRIOS:
Em relação ao primeiro Cemitério, vale dizer que os primeiros
mortos do povoado do Rio de Itajahy eram sepultados na outra margem. E
é, mais uma vez, Antônio da Costa Flores - esse guardião da memória -
quem nos oferece um panorama do local: “Na planície fronteira do Rio,
encontrava-se a residência coberta de telhas e o engenho de fazer farinha do
velho José Coelho da Rocha; algumas casinhas cobertas de palha e um cemitério
no qual não se enterrava mais ninguém; mas constava que, a princípio, se
sepultavam mesmo as pessoas que faleciam do lado de cá.(...)”
Segundo Edson d´Ávila, esses sepultamentos eram
realizados em uma necrópole de modestas proporções, na localidade
onde hoje está instalado o vizinho Município de Navegantes.
Dentro desse contexto, Historiadores dão conta de que não existe nenhum
registro fotográfico ou ilustrativo do primeiro Cemitério; construído ao lado
da primitiva “Casinha de Nossa Senhora”, logo após a doação das
terras pelo casal Coelho da Rocha.
O que se sabe é que o Cemitério permaneceu ali até a época da elevação
da Freguesia à categoria de Vila; quando novos problemas e reivindicações
começaram a se fazer presentes. O Jornalista André Pinheiro aponta alguns
destes problemas:
“(...) era preciso afastar a necrópole; empurrando-a para além
dos limites urbanos; que naquele tempo se estendiam somente até a altura da Rua
Felipe Schmidt. Mesmo com atraso de aproximadamente um século, as queixas
contra a permanência do cemitério na região central eram sinais da modernização
que chegava; trazendo consigo a autoridade conferida aos saberes médicos e ao
conhecimento científico da época.
A preocupação dos médicos em fazer circular o ar, vigiando seus odores e
higienizando os ambientes, baseava-se na teoria dos miasmas, que ganhou força
no século XVIII. Os defensores dessa idéia afirmavam que as pessoas que
respirassem ares de má qualidade (supostamente contaminados por matéria
orgânica em decomposição) ficariam doentes. Com isso, os mortos tornaram-se uma
ameaça à saúde dos vivos; e não só os cemitérios, mas também os velórios, assim
como os cortejos e outras práticas funerárias, passaram a ser encarados como
focos de doenças.””
Neste
local foi construído o Primeiro Cemitério da
"Freguesia do Santíssimo Sacramento do Itajahy"
Sendo assim, em 1863, a Câmara Municipal adquiriu uma extensa faixa de terra para a construção do novo Cemitério Público; transferido de seu local primitivo – os fundos da Igrejinha da Imaculada Conceição – para o local onde, atualmente, está localizada a Igreja Matriz do Santíssimo Sacramento.
Construído o novo Cemitério, a área frontal foi reservada para uma Praça
Pública que, até o final do Império, ficou sem denominação; sendo apenas
conhecida como Largo do Cemitério. Em 1930, o Largo do Cemitério passou a se
chamar Praça João Pessoa; que, hoje, recebe o nome de Praça Irineu Bornhausen –
a conhecida Praça da Matriz.
Mas a construção do novo cemitério não foi suficiente para
resolver os problemas que surgiam, decorrentes do crescimento populacional
e fluxo migratório constante pela Porta do Vale - o
pequeno Porto de Itajahy.
Local destinado, em 1863, à construção do Cemitério Público;
e onde, hoje, localiza-se a Igreja Matriz do Santíssimo Sacramento.
O Historiador José Bento Rosa da Silva, em sua obra “A Itajahy do século XIX – História, Poder e Cotidiano”, retrata bem um desses grandes problemas : como lidar com o fluxo migratório de luteranos, calvinistas e presbiterianos; que chegavam à Vila do Itajahy, através do Porto; quando o contexto religioso da época – o Antigo Regime da Coroa Portuguesa – ainda determinava que Religião Oficial era a Católica Apostólica Romana ?
Sendo assim, todos deveriam professá-la, sob pena de ficar às
margens da Lei: sem batismo; sem direito ao casamento oficial; sem direito a
sepultamento no Campo Santo (cemitério ao lado da Igreja Católica). Mais
do que isso, os desejados imigrantes – “sangue bom” para
fazer desta terra um bom país, aos moldes europeus – continuavam chegando;
enquanto as velhas estruturas persistiam, obstinadas. Era
preciso agir, sem demora.
Em 17 de abril de 1863, o Decreto nº 3.069 passou a regulamentar o
registro de casamentos, nascimentos e óbitos de pessoas que professassem
religião diferente da do Estado. No entanto, segundo José Bento, isso não foi
suficiente para resolver os inúmeros perrengues oriundos das
tensões étnico-raciais existentes na Vila do Itajaí; das quais nem os mortos
conseguiram escapar ilesos.
No início do Séc.XX, a crescente expansão do núcleo urbano -
para além dos arredores da Matriz - exigiu, mais uma vez, a
transferência do Cemitério Público para um local mais amplo e retirado. A área
escolhida foi aquela que, ainda hoje, abriga o Cemitério Municipal da Fazenda;
inaugurado em 01 de outubro de 1931; pelo, então, Prefeito Adolfo Germano de
Andrade.
Cemitério Municipal da Fazenda
Elaboração: Kika
Fontes:
JOSÉ BENTO ROSA DA SILVA. A Itajahy do
Século XIX – História, poder e cotidiano. Itajaí (SC): Editora Casa Aberta;
2009.
ANDRÉ PINHEIRO. Breve Histórico dos Cemitérios de Itajaí. In: Anuário de
Itajaí. Itajaí (SC): FGML, 2003.
EUCLIDES JOSÉ DA CRUZ. Pequena Pátria. In: Itajaí – Outras Histórias.
Itajaí (SC): FGML, 2002.
EUCLIDES JOSÉ DA CRUZ. Itajaí: 180 anos de História e fé. In: Anuário de
Itajaí. Itajaí (SC): FGML, 2004.
DIDIMEA LÁZZARIS DE OLIVEIRA. A Casinha de Nossa Senhora. Texto
publicado no Jornal Folha do Povo. Ano I, nº28, de 25/09/1999.
FOTOS: Acervo
da FGML. Portal 150 Anos de Itajaí.
RESGATE HISTÓRICO 05:
AGOSTINHO
ALVES RAMOS - O PERFIL DE UM LUTADOR
De 1823 a 1853, a história de Itajaí se confunde
com a história de Agostinho Alves Ramos. Através de sua biografia, é possível
acompanhar o crescimento da “primeira organização de pessoas”, no Vale do Itajaí,
nos séculos XVIII e XIX.
A partir do momento em que aportou por aqui, o
povoado começou a se desenvolver em torno de objetivos comuns; alicerçados e
administrados por Agostinho Alves Ramos, no verdadeiro intuito de formar uma
Vila.
Pouco se sabe sobre seus antecedentes, antes da
vinda para Santa Catarina, logo depois da Independência do Brasil. Registros
informam que é natural do Rio de Janeiro; e exercia a profissão de
guarda-livros.
Veio para Desterro, em companhia da esposa Ana,
natural de Peniche, Portugal; e tornou-se sócio do comerciante Anacleto José
Ferreira; que mantinha grandes negócios comerciais, não somente na Ilha, mas ao
longo de todo o litoral; que se estendia de São Francisco a Laguna. Seus barcos
percorriam, periodicamente, a região; levando gêneros de toda ordem; e trazendo
produtos de lavoura, óleo, barbatanas e outros derivados das baleias.
É muito provável que, através dessas viagens,
Agostinho tenha conhecido novos espaços, repletos de possibilidades; incluindo
terras às margens do Itajaí-Açu; cuja foz – cerca de três léguas ao Sul de
Itapocorói – oferecia abrigo seguro; e onde já estavam instalados agricultores
e serradores de madeira, com os quais poderia negociar.
Por certo, não deixou de considerar as
possibilidades que as Margens do Itajaí ofereciam a todo aquele que, com
entusiasmo e força de vontade, se dispusesse a enfrentar uma gama de
obstáculos. Vencê-los, parecia ser o grande desafio.
Seguindo estes propósitos, Agostinho Alves Ramos
resolveu transferir-se para a Foz do Rio Itajaí-Açu; e ali montar sua própria
casa comercial.
Neste mesmo tempo, há aproximadamente meia légua
abaixo da confluência do Rio Itajaí- Mirim; fixou-se, com sua família, José
Coelho da Rocha, descendente de antigos moradores da praia de Itajaí,
à margem esquerda do Grande Rio; e cujos terrenos, ao que parece,
confrontavam à Leste com os de Azeredo Leão Coutinho; ao Sul com os de Correia
de Negreiros ou José Correia; a Oeste com o Mirim; e com frente para o Rio
Itajaí-Açu
De José Coelho da Rocha, Alves Ramos adquiriu
terras onde deu início às construções de sua casa; e que serviria, também, para
abrigar o comércio que projetava montar.
O Professor José Ferreira da Silva, em seu
trabalho “A Fundação e o Fundador”, registra que, pouco tempo
depois, instalou-se ali, com a esposa – Dona Ana e um religioso franciscano,
espanhol de nascimento – Frei Pedro Antonio Agote.
Vale lembrar que a Casa de Agostinho Alves Ramos
localizava-se na esquina das Ruas Hercílio Luz e Lauro Muller; onde, nas
décadas de 80/90, funcionou o tradicional Café Democrático.
Dentro desse contexto, enquanto Alves Ramos se
preocupava em consolidar relações comerciais com moradores da região; Frei
Agote cuidava da organização espiritual do Distrito. Um dos cômodos da casa foi
destinado à Capela; que Dona Ana, profundamente devota, requintou com sua
intensa fé e amor à religião.
Simultaneamente, foi enviada ao Bispo do Rio de
Janeiro, a documentação necessária, com o intuito de delimitar oficialmente, o
Distrito; a partir da autorização para a construção de uma capela-curada; buscando
ainda, autorização para que fossem permitidas celebrações de ofícios religiosos
em oratório particular, enquanto a construção não estivesse concluída.
Sendo assim, em 31 de março de 1824, foi assina a
Provisão Eclesiástica, criando o Curato do Distrito de Itajaí; que, segundo a
Provisão Episcopal, compreendia todos os moradores entre o Rio Gravatá
do Norte e o Rio Camboriú do Sul.
A partir desta data, o povoado começou a ganhar
forma. No mês seguinte, os Coelho da Rocha doaram o terreno para a construção
da Capela e do Cemitério. Agostinho Alves Ramos tomou para si a
responsabilidade de levantar o pequeno Templo, dedicado ao Santíssimo
Sacramento, sob cuja invocação criou-se o Curato.
A escritura da doação do terreno data de 02 de
abril de 1824; e foi lavrada, a pedido dos doadores – que eram analfabetos,
como a grande maioria daquela população, visto que foi Alves Ramos quem implantou
a primeira escola em Itajaí – por Bento José da Costa; tendo como testemunha,
Germano José da Silva. Foram doadas trinta braças de frente; com sessenta
de fundos; que extremavam, pelo Sul, com as terras de Agostinho Alves Ramos.
Condições expressas determinavam a construção de
uma Capela e de um Cemitério; e que se desse nele, sepultura aos doadores. As
despesas da construção da Capela ficaram por conta, quase que exclusiva, de
Agostinho; salvo o que Frei Agote conseguiu colher entre os seus curados e os
de Itapocorói; até onde se estendia o exercício do seu Ministério; auxiliando a
Cura da Capela de São João Batista.
A primitiva capela foi construída de pau a pique e
barreada. Depois, foi substituída por outra de pedra, e edificada por um
escravo de Alves Ramos, de nome Simeão; e que, conforme já registramos, poucas
referências se têm sobre sua existência e contribuição na História de Itajaí.
A Provisão Eclesiástica, por sua vez, delimitava o
Curato: o Rio Gravatá, ao Norte, separava-o do Curato de Itapocorói; e o de
Camboriú do de Porto Belo que, já em dezembro de 1824, foi elevado à Paróquia.
Nestes termos estava, portanto, fundado o Povoado do Santíssimo Sacramento do
Itajaí.
A Capela e o comércio de Agostinho Alves Ramos
atraíram novos moradores para as regiões ribeirinhas ; e, pelo Itajaí Açu acima
– até a confluência com o Mirim – outras moradas surgiram.
Próximo à Barra do Rio – que hoje abriga Bairro do
mesmo nome – o complexo de casas foi maior; uma vez que, junto às margens já
povoadas do “Rio Pequeno” (Itajaí-Mirim); produziu-se grande volume de cereais
e madeira; que desciam o Itajaí-Açu, a bordo de pequenas embarcações, até o
Armazém de Alves Ramos.
É válido notar que Alves Ramos não limitou suas
atividades a meras transações comerciais. Muito além disso, tornou-se amigo e
conselheiro dos moradores da região; servindo-lhes de orientador em seus
negócios; médico em suas enfermidades; e mediador em suas desavenças. Dona Ana,
por sua vez, não era menos solícita com aquela gente. Dotada de bom coração e
excelente atividade, dividia a atividade comercial com o esposo; tomando conta
do balcão e de uma padaria, que acrescentara à venda de tecidos e gêneros de
“secos e molhados”.
Em pouco tempo, diante de tanta expressão, Alves
Ramos tornou-se o chefe do Curato; estendendo sua influência às margens
povoadas do Itajaí-Mirim; de Camboriú e Porto Belo. Por sua ação e
interferência, a 13 de janeiro de 1830, o Conselho Geral da Província, indicou
as terras do Itajaí para a instalação de um povoado com 200 casais.
Diante dessa possibilidade de expansão, Agostinho
solicitou, em petição à Câmara Municipal da Vila da Graça - São Francisco - a
elevação do Curato à Freguesia. Neste documento, os moradores do Distrito
apontavam as razões pelas quais julgavam, de direito, ter a Capela Curada de
Itajaí elevada à Freguesia - ou Paróquia.
A resposta veio em meados de 1833; quando foi
assinada a resolução que, por proposta do Conselho Geral da Província, elevava
o Arraial de Itajaí à Paróquia; sob a mesma invocação do Santíssimo Sacramento;
agora acrescido do de Nossa Senhora da Conceição; e que criava o respectivo
Distrito Policial. Assim, em 12 de agosto de 1833, estava criada a Freguesia do
Itajahy - passo marcante para a transformação do povoado em sede
administrativa, política e econômica; de significativa importância para o
desenvolvimento da região da Foz do Rio “Itajaí Grande”.
Pesquisa e Elaboração: Kika
Fontes:
NORBERTO CANDIDO SILVEIRA JÚNIOR. ITAJAI.; 1972.
LENZI, Rogério Marcos. ITAJAÍ E OUTRAS HISTÓRIAS.
Expansão e Colonização: os fatos lineares da História. FGML; 2002.
RESGATE HISTÓRICO 04
A FREGUESIA DO ITAJAHY - CURATO E FREGUESIA
A GÊNESE DE UM POVOADO:
Para entender melhor o processo histórico da
formação de um povoado, buscamos, em um primeiro momento, o conceito de Curato
e Freguesia.
Os Curatos eram povoados pequenos, sem autonomia
política ou eclesiástica; que ainda não dispunham de população suficiente para
elevar-se à categoria de Freguesia – sinônimo de Paróquia.
O Curato era assistido pelo Cura - um
Capelão, representante do Pároco; que velava pelos interesses
eclesiásticos daquela pequena comunidade; e nem sempre morava no povoado;
visitando-o esporadicamente, para celebrar missas, casamentos e
batizados.
O Curato não tinha Pároco; nem livros próprios para
seus assentamentos. A partir do momento em que se registrava um crescimento
populacional; seguido de um aumento considerável nos atos realizados pelo Cura,
em um determinado período de tempo; iniciava-se o processo de elevação do
Curato em Freguesia.
Durante o Período do Brasil Colônia e Brasil
Império, Freguesia era sinônimo de Paróquia; e não havia nenhuma estrutura
civil distanciada da estrutura eclesiástica. Sendo assim, o Pároco exercia
jurisdição espiritual sobre respectiva população, também chamada de paroquianos
ou fregueses.
Posteriormente, o termo Freguesia passou
a ser aplicado a um conjunto populacional, formado pelos seguintes aspectos:
. Uma população relacionada por um elevado grau de
vizinhança; de interesses próximos e de semelhantes expressões sócio-culturais;
. Um território geográfico em que essa população se
implementa, circunscrito por limites que o individualizam; bem como pelos
órgãos representativos dessa associação população-território.
O CURATO DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO DO ITAJAHY:
As primeiras informações a respeito da presença do
homem branco às margens do Itajaí, de acordo com o Historiador Vilson Francisco
de Farias, remontam a 1658; quando João Dias Arzão requereu ao Capitão-Mor da
Vila de São Francisco, uma Sesmaria naquele local.
No início do Século XIX, foram distribuídas várias
Sesmarias na região junto às praias e margens do “Itajaí Grande”; completando a
ocupação das melhores terras da região.
De acordo com Vilson, por ato do Governador da
Capitania, foram doados 12 lotes de terra (Sesmarias); entre 1811 e 1823: João
Alberto da Silva, Manoel Antônio de Souza Medeiros, Francisco Lourenço da
Costa, José Ignácio da Cunha, Manoel José d´Aquino, José Francisco Caldeira
Junior, José do Rego, Vicente Antônio Ferreira, Manuel Francisco Caldeira,
Antônio Meirelles e Manoel d´Oliveira do Nascimento eram moradores
estabelecidos em Itajaí, com bens de raiz (propriedade), antes da criação do
Curato, em 1824; e, portanto, fundadores; juntamente com outros anteriormente
fixados na comunidade, sob a liderança de Agostinho Alves Ramos.
Dentro desse contexto, o registro mais antigo que
indica uma comunidade organizada, onde moravam pessoas com “bens de raiz” data
de 31/03/1824; quando o povoado elevou-se à condição de Curato.
O Curato do Santíssimo Sacramento foi criado
através da Provisão Episcopal de Dom José Caetano da Silva Coutinho, Bispo do
Rio de Janeiro, em 31/03/1824; tendo como Capelão Curado, Frei Pedro Antônio
Agote; cujo trabalho não era outro senão contar as almas convertidas ao
Catolicismo; registrar batismos, casamentos e falecimentos; além de proceder a
visitas periódicas às famílias.
Foi nesta época que se registrou a construção do
primeiro templo católico do povoado. De acordo com as memórias de Antônio da Costa
Flores, a Igreja foi construída por um escravo de Agostinho Alves Ramos,
chamado Simeão; e que, conforme já documentou o Historiador José Bento Rosa da
Silva em suas pesquisas sobre a Itajaí do Século XIX; poucas referências se têm
dele, enquanto colaborador na construção da História de Itajaí.
Largo da Matriz
Largo da Matriz, 1900
Os registros que se tem desse período entre a
instalação do Curato e a emancipação do povoado à condição de Freguesia,
passam, em grande parte, pela memória de Antônio da Costa Flores - um gaúcho do
Município de Triunfo, filho de imigrante português da Cidade de Campo
Grande/Portugal - que chegou ao povoado do Santíssimo Sacramento do Itajahy,
entre 1840 e 1844; e que, na década de 1860, seria Fiscal da Câmara Municipal.
No início do século XX, esse guardião da memória - como o
intitula o Historiador José Bento Rosa da Silva - deixou vários relatos à
imprensa local.
A FREGUESIA DO ITAJAHY:
O progresso crescente da comunidade contribuiu para
sua elevação à condição de Freguesia, em 12/08/1833; com o nome de Freguesia
do Santíssimo Sacramento do Itajahy; subordinada à Vila de Porto Belo.
Itajahy em Gravura, 1884
Apesar de serem poucos os registros sobre esta
época, vejamos alguns depoimentos coletados por José Bento Rosa da Silva, a
partir das memórias de Costa Flores, e que retratam a Freguesia do
Itajahy:
“Nos terrenos que o atual perímetro urbano desta
cidade abrange e que, como sabe atinge a dois quilômetros, a contar da igreja matriz
para todos os lados, exceto para o rio, que fica a muito pequena distância;
contavam-se umas cinqüenta casas, entrando neste número pequenos ranchos
miseráveis que, além de serem coberto de palha, compunham-se de um só
compartimento com paredes feitas de ripas fincadas junto às outras. Todas as
casas, salvo a do Major Agostinho (a melhor que havia) que era construída de
pedra, tijolo e cal; tinham as paredes externas de taipa, isto é, de pau a
pique amarrado com ripa, barreadas, sendo que só três ou quatro eram rebocadas
e caiadas. (...) Não havia nenhuma casa com paredes externas de taboas.
Passaram-se anos antes que existissem engenhos de serrar (...)”
“(...) mais ou menos por onde correm as Ruas Lauro
Muller e Pedro Ferreira, ao lado oeste, havia apenas quatorze casas; sendo
nesta quatro e naquela dez, entre as quais a do Major Agostinho que é agora de
propriedade da viúva do Sr. Henrique Schneider. Essas quatorze casas estavam
assim dispostas não porque obedecessem alinhamento, mas porque todas davam
frente para o rio e acompanhavam a direita da praia (...)”
Casa de Agostinho Alves Ramos
A exemplo de Costa Flores, o engenheiro belga Van
Lede – fundador da colônia belga que daria origem à cidade de Ilhota – também
deixou registradas suas impressões, ao passar pela Freguesia do Itajahy, em
1842:
“A Freguesia de Itajaí compõe-se de uma
cinqüenta casas, dispersas pela margem do rio, perto de sua foz e ao longo da
praia. Tem uma igrejinha, alguns pequenos estaleiros; é sede de um juizado de
paz e residência de um Tenente-Coronel da Guarda Nacional. Para estas duas
autoridades tínhamos cartas do Presidente, que nos apressamos a entregar.”
“O Coronel Alves Ramos acolheu-nos, perfeitamente e
pôs à nossa disposição um iatezinho, no qual subimos o Itajaí Grande. (...) Na
confluência do Rio Conceição (Rio do Meio) com o Itajaí-Mirim. O Coronel tinha
uma fazenda (...). A fazenda do Coronel achava-se situada num local que, nas
grandes enchentes, estaria exposta a inundações. O solo ficava cerca de dois
metros acima do nível do rio e tudo estava de acordo com uma habitação
construída sobre estacas; cujos cabeços ultrapassavam o terreno a alguns pés.
Ele recebeu-nos com sua habitual cordialidade; e, enquanto esperávamos pelo
jantar, levou-nos ao alto do morro perto de sua casa. Fizemos o trajeto com
alguma dificuldade; mas, chegado acima, fomos largamente compensados de nossa
fadiga, pela magnificência do panorama que desse lugar se desvendava até onde a
vista podia alcançar. Munidos de uma bússola azimutal, fizemos, imediatamente,
o levantamento de muitos pontos importantíssimos para nossa carta e que já
havíamos observado de outros lugares. À nossa frente, desdobrava-se uma imensa
planície que, de norte a sul, a perder de vista, estava coberta pela mata
virgem, cujas cores ricas e variadas acompanhavam todas as ondulações do
terreno.”
Em nota explicativa, em sua obra “Itajaí – 1972”,
Silveira Júnior registra que, pela descrição de Van Lede, a Fazenda de
Agostinho Alves Ramos localizava-se nas proximidades da casa da Família Werner;
nas imediações da ponte sobre o Rio Conceição; que é um dos nomes atribuídos ao
Rio do Meio. Da mesma forma, o morro mencionado por Van Lede seria o
Morro da Araponga; onde está localizado o serviço de tratamento de água de
Itajaí.
A “CASA GRANDE” DA “FAZENDA”:
As memórias de Costa Flores registraram ainda,
segundo José Bento, os terrenos ao sul do povoado, conhecidos com o nome de
“Fazenda”, e que se transformou em um dos bairros mais antigo de Itajaí.
As terras da “Fazenda” pertenceram à Sesmaria
adquirida, em 1793, pelo tenente-coronel Alexandre José de Azeredo Leão
Coutinho; natural do Rio de Janeiro e que, em 1787, foi removido para Santa
Catarina, com o objetivo de comandar a Fortaleza de Santa Cruz de Anhatomirim,
em Desterro; atual Florianópolis.
Por indicação do Rei de Portugal, Azeredo Leão
Coutinho estabeleceu-se na “Fazenda” com a mulher – Fortunata Amélia de Azeredo
Leão Coutinho -; filhos e muitos escravos. As terras eram propícias para o
plantio; e foram aproveitadas para o cultivo de café e árvores frutíferas; além
da manutenção de um engenho de mandioca e açúcar. Em 1798, Leão Coutinho
enviuvou e casou-se com Felícia Alexandrina. Ele faleceu em 08 de outubro de
1815, aos 64 anos; e a propriedade passou a ser administrada pela viúva Felícia
Alexandrina de Azevedo e sua filha Carolina; então casada com o Capitão Benigno
Lopes Monção.
Após a morte de Felícia, os herdeiros começaram a
vender partes da propriedade; conservando apenas a área central, onde estava
localizada a “Casa Grande”; e que foi vendida, no fim do Século XIX, para o
Coronel Eugênio Muller.
Em meados de 1960, os herdeiros de Eugênio Muller
lotearam a área, dando origem ao “Loteamento Muller”, popularmente conhecido
como “as terras do Milla”. Somente aí aconteceu a demolição da histórica e
centenária “Casa Grande”; localizada onde, hoje, está a Igreja Nossa Senhora de
Lourdes – a popular Igreja da Fazenda.
A Fazenda é, portanto, a mais antiga área urbana da
cidade; cuja história é anterior à própria história de Itajaí; que teve seu
início com a criação do Curato, em 1824. Infelizmente, são raros os registros
dessa época; e, por enquanto, nenhuma foto foi identificada para ilustrar essa
página - quase que desconhecida - da nossa História.
Elaboração: Kika
Fontes:
SILVEIRA JÚNIOR. Itajaí. Excalibur; 1972
JOSÉ
BENTO ROSA DA SILVA. A Itajahy do Século XIX – História, poder e cotidiano.
Itajaí (SC): Editora Casa Aberta; 2009.
ROSA DE LOURDES VIEIRA E SILVA. Bairro Fazenda – O
Território da Minha Infância. Itajaí (SC): Gráfica e Editora Nova Letra; 2009.
VILSON FRANCISCO DE FARIAS. De Portugal ao Sul do
Brasil. 500 anos. História – Cultura – Turismo.; Florianópolis (SC); edição do
autor; 2000.
Fotos:
Acervo FGML - Portal 150 anos de Itajaí.
http://150anos.itajai.sc.gov.br/
Fotos:
Acervo FGML - Portal 150 anos de Itajaí.
http://150anos.itajai.sc.gov.br/
RESGATE HISTÓRICO 03:
UM RIO
DE MUITOS NOMES - ORIGEM E SIGNIFICADOS:
De
acordo com o Padre Raulino Reitz, a primeira referência que se tem ao Rio
Itajaí, está registrada em um trabalho do Século XVII, chamado “Costa
do Governo do Rio da Prata até o Brasil”; elaborado a partir das notícias
de Emanuel Figueiredo, português; e Theodoro Reuter, holandês.
Neste
trabalho consta que “(...) de uma baía que os portugueses chamam de
“Enseada das Garoupas” (...) até o rio que os índios chamam de Tajahug até
o S. Francisco, o mesmo navegante conta 27 léguas (...)”
Ainda,
de acordo com o mesmo estudioso, em um mapa do Paraguai e zonas limítrofes,
datado de 1722, assinala-se um certo Rio Tayabeuy.
Segundo
Carlos da Costa Pereira, no Mapa Garaffa, de 1637 e 1641, conforme supõe Rio
Branco, menciona-se o Rio Tayahuy. Ainda segundo Costa Pereira, o
mais antigo documento que se tem notícia, já com a grafia deItajahy -
começando com “i” e não com “t” - data de 1799; e é o requerimento em
que Joaquim Francisco de Salles e Mello - Governador da Fortaleza de Santo
Antônio de Ratones, na Ilha de Santa Catarina – pede uma légua de terras em
quadra no Rio Itajahy-Merim; para neste local construir uma fábrica
de açúcar, atendendointeresses particulares e dos “reais dízimos””. Este requerimento
é de 30 de agosto de 1799.
ORIGEM
E SIGNIFICADO:
De
acordo com o Prof. Lino João Dell´Antônio, em sua obra "Nomes
Indígenas dos Municípios Catarinenses, Significado e Origem" :
O
município de Itajaí foi criado pela Lei provincial nº 464 de 04 de abril de
1.859, com território desmembrado dos municípios de Porto Belo e São Francisco.
A instalação oficial ocorreu a 15 de junho de 1.860. Pertence à Microrregião da
Foz do Rio Itajaí.
Segundo
o IBGE (1.959, p. 179 e 180), no passado, houve muitas divergências sobre a
origem do nome. Para João Medeiros (1.948, n. 1), o termo provém de “tayá”,
taiá e de “y”, rio. Estudando as origens e o significado da palavra Itajaí,
Norberto Bachmann (1.949, apud IBGE, 1.959. p.179 e 180) não tem dúvida que significa
rio pedregoso, porém, admite outras opiniões, surgidas principalmente pelo fato
de aparecer o topônimo ora escrito com o “i” inicial, ora apenas com a letra
“t”, dando asas a outras interpretações, como rio dos taiás. De acordo com
Saint-Hilaire (1.854, p. 316), a palavra vem do guarani e significa rio das
pedras juntas. Além dessas duas correntes, mais recentemente, Silveira Junior
(1.969), após consultar o professor paraguaio Decoud Larrosa, dá ao termo
Itajaí a definição de pedra laminada, sem relacionar o “i” final à idéia de
rio. Também publicamos um artigo (2.004, p. 117), defendendo a definição rio de
muitas pedras. Recentemente, os Roteiros Turísticos Regionais, Rota do Sol,
definem Itajaí como rio que corre sobre as pedras.
Uma
língua indígena apenas falada e cheia de metaplasmos como o Tupi-Guarani,
muitas vezes, nem mesmo o contexto geográfico socorre o filólogo. A formação do
termo é resultante de adaptações e modificações impostas pela vernaculização.
As diversas grafias – Tajahi, Tajay, Itajahy, Taiahug, Tayahug e Taiai – são
formas sinônimas, perfeitamente compreensíveis no tempo. A estrutura
linguística “já”, que aparece historicamente sob diversas grafias sinônimas -
“ya”, “uá” e “ia” - é a responsável pela interminável polêmica sobre o
significado do termo. Segundo os grandes estudiosos do antigo Tupi-Guarani,
desde o “Vocabulário y Tesoro” do Pe. Antonio Ruiz de Montoya até mais
recentemente a Max H. Boudin, o pronome relativo “i”, “y”, “j”, que, é muito
usado como prefixo indicativo de verbos. O “a” que o segue é uma prerraiz, com
significado de semente, fruta, bola, entumescência, nascimento, prevalecendo a
ideia da forma arredondada (SOARES, 1.954, p. 233). Assim, a estrutura
linguística “já”, afixada ao termo, indica algo que sai, que nasce, que aponta,
que aparece, exatamente conforme a referência feita pelo Arcipreste Paiva, nos
meados do século XIX.
Feito
o esclarecimento filológico, esta é a morfogênese da palavra: Itá (pedras)
+ j (pronome relativo que) + a(terceira pessoa do indicativo
do verbo nascer, emergir, sair fora, parecer, ter forma arredondada) + y (rio).
A tradução literal é rio das pedras que emergem É uma alusão a
uma realidade que se manifesta visivelmente em grande parte dos percursos de
todos os afluentes do rio Itajaí Açu e também na fase adulta do rio, conforme
depoimento de Gustavo Konder.
Apesar
de algumas divulgações que ainda relacionam o significado do nome ao vegetal
taiá, há muitos textos que o definem como rio das pedras, sem fazer qualquer
referência à estrutura linguística “já”. Além dos textos de Avê-Lallemant e de
Gustavo Konder, que confirmam a existência dessas pedras que sobressaem em toda
a bacia do rio, é a descrição do Arcipreste Paiva a que mais se aproxima da
ideia contida na prerraiz “a”, a origem de todas as polêmicas a respeito do
significado do termo. O mapa do geógrafo Pe. Diogo Soares, registrando as
nascentes do grande rio, vem contrariar a crença que os guaranis só ocupavam o
litoral. Concomitantemente confirma que, as pedras que emergem são
características constantes do rio, desde as suas nascentes, chamadas por ele de
cachoeiras.
Falando
sobre roteiros da Estrada das Tropas do planalto catarinense, a carta
geográfica do R. P. M. Diogo Soares (1737) cita as características das pedras
que emergem desde as nascentes do rio: “Deste [referindo-se a um córrego] as
cachoeiras do Tajay ao NE e NNE 3 léguas” (LEMOS, 1.977, p. 210).
Arcipreste
Paiva, em 1.862, bem antes dos filólogos indigenistas citados, dava à estrutura
“já” do termo Itajaí a imagem-conceito de pedras arredondadas que aparecem
sobre o rio: “A palavra Itajaí [grafada itajahy em 1.868] composta de três do
idioma brasileiro [tupi-guarani] parece exprimir: pedra de configuração de
calcanhar sobre o rio” (PAIVA, 2.003, p. 135).
O “a”
é uma raiz de significado genérico, descrevendo sempre algo de forma
arredondada que aparece. No contexto específico do rio, é um referencial às
pedras. São estas as palavras de Montoya sobre este étimo do antigo Guarani:
“A. Em composição, cabeça, fruta, semente de fruta nascida, inchaço, corpórea
coisa, pedaço de ferro, entidade, etc” (1.876, p. 3, tradução nossa).
Na
visita que fez a um salto nas imediações de Blumenau, Avê-Lallemant descreve a
natureza de pedras emergentes, que complicavam a vida dos navegantes. O quadro
descrito, com exceção de trechos de aparente calmaria, é uma constante em toda
a bacia do grande rio:
Então
começa o rio a bramir com mais violência. Saímos da mata para o leito do rio,
entremeado de pedras negras, por entre as quais passa o Itajaí, sussurrando
numa multidão de cachoeiras. Magnífico cenário silvestre da mata virgem que,
estando nas sombreadas pedras da margem tranqüila, a gente não se cansa de
contemplar!
Entretanto
os canoeiros subiram o rio com a sua leve embarcação, não sem ficarem
encharcados nas muitas ocasiões em que tiveram de vencer ruidosas cachoeiras (AVÊ-LALLEMANT,
1.953, p. 165).
Todas
as últimas hipóteses, até agora levantadas sobre o significado do nome Itajaí,
tem como variável o contexto geográfico do litoral, onde o rio vive seu ciclo
adulto. Nesta fase de deposição aluvial, de equilíbrio, o pesquisador é levado
ao inconsequente, pois, as características do rio, imperceptíveis, se
transformam em terrenos de aluvião, onde o gradiente do rio é mínimo. Os
milhões de metros cúbicos de areia retirada do rio e o constante assoreamento
do porto de Itajaí revelam que diversos tipos de rochas são abundantes em todo
o seu percurso. Esse fato é confirmado por Gustavo Konder:
A
palavra ‘Itajahy’ vem do guarani: - Ita – jahy, rio onde há muitas pedras. De
fato, no fundo do rio Itajaí existem montanhas de pedras redondas, roliças de
muitos matizes e que atualmente são grandemente aproveitadas para as
construções de concreto. Sei perfeitamente que, diversos intelectuais opinam de
outro modo, [...] (KONDER, 1.971, p. 142).
No
passado, limitando a ocupação indígena apenas ao litoral onde o rio Itajaí, em
sua fase adulta não manifesta “de visu” o fenômeno das pedras que emergem,
surgiram diversas versões sobre o seu significado. Hoje, com as recentes
descobertas arqueológicas, sabemos que os rios chamados Itajaí eram os caminhos
naturais nos deslocamentos indígenas e que todos eles, de sobejo, possuem em
seus leitos o fenômeno das pedras que emergem. Os índios, muito pragmáticos em
nomear os lugares, alertaram do perigo que essas pedras podiam oferecer a uma
cultura, que dependia muito dos rios para se locomover e sobreviver.
Portanto,
Itajaí é termo tupi-guarani e significa rio das pedras que emergem, em
referência a uma realidade física constante, em grande parte dos quatro
afluentes do rio Itajaí-Açu.
Fontes:
SILVEIRA
JÚNIOR. ITAJAÍ. Editora Escalibur, 1972.
LINO
JOÃO DELL´ANTONIO. Nomes Indígenas dos Municípios Catarinenses, Significado e
Origem.
Pesquisa
e Elaboração: Kika
Colaboração: Prof. Lino João Dell´Antonio
- dellantonio@terra.com.br
RESGATE HISTÓRICO 02:
AS TERRAS DE DRUMMOND - UM ENGANO
HISTÓRICO:
Registra
a Biografia de Antônio Meneses de Vasconcelos Drummond, publicada em Paris,
1836, na “Biographie Universelle et Portative des Contemporais”:
“Nasceu no Rio de Janeiro em 21 de maio de 1794.
Aos 15 anos terminara os seus estudos literários e conhecia a fundo a doutrina
do célebre Smith, o mestre da Economia Política. Conhecia Kant e outros
filósofos e falava quatro línguas vivas” (...) “Em 1810, portanto aos 16 anos,
D.João VI conferia-lhe o hábito de Cristo”(...) ”Quando o primeiro grito de liberdade se fez ouvir
na Província de Pernambuco, ele foi denunciado ao rei D.João VI como
pertencente a um dos clubes de onde partira a centelha revolucionária” (...)
“Entretanto, o governo entendeu de afastá-lo da capital e uma espécie de
licença acompanhada de recomendação fê-lo partir para a Ilha de Santa Catarina.
Ficou sete meses sob as vistas do Governador da Província” (...) ”de regresso à
Capital, ele apresentou ao ministro Vilanova Portugal os seus vastos planos de
melhoramentos e foi imediatamente despachado para pô-los em execução.”
Contudo, o próprio Drummond achou por “demais exagerada” a generosa
Biografia feita pela publicação francesa; e através das “Anotações
nº07” fez as seguintes retificações:
“Há aqui muita exageração. Alguns trabalhos se
fizeram no Rio Itajaí, mas não houve tempo nem meios para os levar a cabo. Todavia, ali se construiu uma sumaca
denominada São Domingos Lourenço, que foi a primeira embarcação daquele lote
que passou a barra do rio Itajaí, carregada de feijão, milho e tabuado para o
Rio de Janeiro. Do Itajaí, mandei a madeira para a obra do museu do Campo de
Sant´Ana e mandei de presente, porque era cortada e serrada à minha custa.”
E prossegue a Biografia:
“Ele embarcou, portanto, de novo para Santa
Catarina, venceu todos os obstáculos que lhe apareceram num país ainda
selvagem, concebeu e executou a navegação do grande rio Itajaí, estabeleceu
povoado sobre as duas margens, atravessou imensas florestas virgens, abriu
caminhos, aproximando assim as grandes distâncias e conseguiu, enfim, animar,
pela sua infatigável presença, uma região que parecia, ainda, no caos
primitivo.”
Em 1920, essas “Anotações” acabaram por induzir Marcos
Konder – então Prefeito do Município, no período entre 1915-1930 – a um engano
histórico. Em sua “Pequena Pátria”, Marcos Konder atribui a
Drummond, o título de Fundador de Itajaí.
No “Anuário de Itajaí para 1949”, registra Marcos Konder:
“Demonstramos pelo próprio testemunho escrito de
Drummond nas “Anotações” feitas à sua biografia publicada em 1836, na
“Biographie Universelle et Portative des Contemporains” que devemos admitir
Drummond como o verdadeiro fundador de Itajaí e aceitar o ano de 1820 como a
data mais provavelmente exata da fundação.”
Acompanhando esse raciocínio, foi erguido, em 1920, um Cruzeiro no Morro
da Cruz, em homenagem ao Primeiro Centenário de Fundação da Cidade de Itajaí.
Entretanto, para irritação de alguns e a indiferença de muitos, Documentos,
posteriormente investigados, acabaram delimitando o papel de Drummond, nas
terras de Itajaí; e reescreveram essa página da nossa História.
Em relação aos Documentos encontrados - e que desfizeram esse engano
histórico - é interessante distinguir alguns conceitos iniciais.
O SISTEMA DE SESMARIA:
Revisitando alguns livros de História, lembramos que “Sesmaria foi um
instituto jurídico português que normatizava a distribuição de terras destinadas
à produção. O Estado, recém formado e sem capacidade para organizar a produção
de alimentos; decide legar essa função a particulares.” O sistema
surgiu em Portugal, durante o Séc.XIV, com a Lei da Sesmaria, de 1375; com o
intuito de combater a crise econômica, agravada pela peste negra, em toda a
Europa.
Com a conquista do território brasileiro, efetivada a partir de 1530, o
Estado Português decidiu utilizar o Sistema Sesmarial, em terras do além-mar,
com algumas adaptações.
A principal função do Sistema de Sesmaria é estimular a produção. Quando
o titular da propriedade não iniciava a produção dentro dos prazos
estabelecidos; seu direito de posse poderia ser cassado. É na distribuição das
terras que está a origem desse Sistema; e que acabou se convertendo em uma
verdadeira política de povoamento estendido às Colônias Portuguesas.
A Coroa Portuguesa tomou possa do território brasileiro por direito de
conquista. Por isso, todas as terras descobertaspassaram a ser
consideradas terras virgens, sem qualquer senhorio ou cultivo
anterior. A Carta patente dada a Martim Afonso de Souza é, unanimemente
considerada como o primeiro documento sobre Sesmaria no Brasil.
Nas terras de conquista, no entanto, as Sesmarias
incorporaram uma exigência adicional: o pagamento do dízimo à Ordem de Cristo;
que, na verdade, significava pagamento à própria Coroa. Mais do que
um imposto cobrado, o dízimo servia como
justificativa do processo de conquista. Era um ônus sobre a produção e incidia
sobre a agricultura e pecuária coloniais. A bem da verdade, era um tributo
eclesiástico que deveria ser pago até por quem não era proprietário de terras;
já que, como cristão, todos os produtores deveriam contribuir para a propagação
da fé.
O Sistema de Sesmaria perdurou no Brasil até 17 de julho de 1822, quando
a “Resolução 76” atribuída a José Bonifácio de Andrade e Silva, pôs fim a
esse regime de apropriação de terras. A partir daí, a posse
passou a ocorrer livremente no país, estendo-se até a promulgação da Lei de
Terras, que reconheceu as Sesmarias antigas, ratificando formalmente o regime
das posses; e institui a compra como única forma de obtenção de terras.
AS SESMARIAS DE EL-REI:
Foi através de uma Sesmaria que Antônio Meneses Vasconcelos de Drummond
chegou às terras do Itajaí; sem imaginar o tamanho da polêmica que
criaria, alguns séculos mais tarde, em relação à localização de suas terras.
Até certo momento histórico, a grande maioria acreditou que Drummond havia
aportado junto às terras do Itajaí Açu. No entanto, alguns documentos se encarregaram
de evidenciar o contrário.
De acordo com o livro “Itajaí”, de Silveira Júnior, com
pesquisa histórica do Prof. José Ferreira da Silva e coordenação geral de Gil
Moraes, lançado em 1972 pela Escalibur, “o ministro Tomás Antônio de
Vilanova Portugal despachou Drummond para Santa Catarina com um ofício dirigido
ao governador da Província João Vieira Tovar e Albuquerque, que dizia o
seguinte:”
“EL- Rei Nosso Senhor é servido que vmcê vá se
apresentar a João Vieira Tovar de Albuquerque, Governador da Capitania da Ilha
de Santa Catarina, para tomar posse de umas terras para o mesmo Senhor, junto
ao Rio “Tajaí-Mirim”, a fim
de nelas formar um estabelecimento, segundo a direção que lhe há de dar o mesmo
governador, na forma das instruções que serão a este dadas por esta Secretaria
de Estado dos Negócios do Reino. O que participo a Vmcê passo em 5 de fevereiro
de 1820. (a) Tomás Antônio Vilanova Portugal. – Senhor Antônio de Meneses
Vasconcelos Drummond.”
Em carta datada de 19 de março de 1820, Drummond responde ao Ministro
Vilanova Portugal, dizendo “que estava à espera das disposições do
governador para a medição e posse das terras do TAJAÍ MIRIM, que me diz será logo o
tempo permitir.”
Estas duas referências parecem deixar claro que as terras que
Drummond desmatou eram no Itajaí-Mirim; e não dizem respeito àquelas onde se
assenta, atualmente, (ou se assentava em 1820) o Município de Itajaí. Fica
evidente, contudo, que Drummond estabeleceu alguma forma de colonização às
margens do Itajaí-Mirim, como ele mesmo registra em sua biografia, dizendo
que “estabeleceu povoados sobre as duas margens do rio.”
Outra referência registra que Drummond foi enviado a Santa Catarina com
a missão de encarregado dos Reais Cortes de Madeira da região. Ele pretenderia
fundar uma colônia que se chamaria São Thomaz da Villanova, formada
por alguns ex-soldados e trabalhadores da região – e que se acredita serem
remanescentes das “armações de baleia” transferidas da Ilha de Santa Catarina
para a Enseada de Itapocorói, por conta da invasão espanhola. Essa colônia
ficaria localizada às margens do Rio Itajaí Mirim, na atual localidade de
Itaipava.
“Mappa da Medição e Demarcação Militar de duas
Sesmarias de huma légua quadrada cada huma no Rio Itajahimerim pertencentes a
El Rey N.S. procedida em conseqüência do Regio Aviso de 4 de Fevereiro de
1820.”
No entanto, existem informações de que essas terras não eram
totalmente devolutas, quando Drummond se apossou delas. Existem depoimentos de
que, em 1810, já havia famílias morando às margens do Rio Itajaí Mirim, nas
imediações da Itaipava; quando Drummond aportou por lá.
Só para lembrar, “terras devolutas são as terras públicas não aplicadas
ao uso comum nem ao uso especial”; ou seja, são as terras que “dada a
origem pública da propriedade fundiária no Brasil, pertencem ao Estado – sem
estarem aplicadas a qualquer uso público – por que nem foram trespassadas do
Poder Público aos particulares; ou, se foram, caíram em comisso; nem se
integraram no domínio privado por algum título legítimo. Sua origem: com a
descoberta do Brasil, todo território passou a integrar o domínio da Coroa
Portuguesa. Dessas terras, largos tratos foram trespassados aos colonizadores;
mediante as chamadas concessões de sesmaria e cartas de data; com a obrigação
dos donatários de medi-las, demarcá-las e cultivá-las, sob pena de comisso –
reversão das terras à Coroa).”
Ao que parece, de acordo com o Aviso Real de 05/02/1820, houve um
propósito específico – uma intenção, o animus de colonizar essas
terras -; uma vez que as ordens dadas a Drummond era de que se apossasse delas
em nome da Coroa, a fim de ali formar um estabelecimento, uma Colônia. Além
disso, em virtude da péssima localização dessas terras, o que se supõe é que
outras melhor localizadas – como aquelas que margeiam a Foz e onde, hoje,
localizam-se Itajaí e Navegantes - já tivessem dono; e portanto, já estivessem
ocupadas.
Mais do que isso, segundo consta o “Livro 2 do
Registro de Sesmaria, no Departamento de Terras e Colonizações”, em
Florianópolis; já em 1815, Francisco Lourenço da Costa, residente em Desterro,
obteve uma Sesmaria às margens do Itajaí; alegando que o requerente “ali
já tinha um armazém para recolher os efeitos que ali compra para o giro do seu
negócio”. Dentro desse contexto, é difícil aceitar que alguém tenha
instalado um armazém em terras ermas e desabitadas.Vale lembrar que tudo isso
aconteceu em 1815; cinco anos, portanto, antes de Drummond aportar pelas terras
do Itajaí.
O mapa reproduzido abaixo é a mais antiga Planta da Foz do rio Itajaí
Açu que se tem notícia; datada de Itapocorói – atual Município de Penha – em 30
de abril de 1796.
Por esse mapa é possível perceber que, já no Século XVIII, as terras
litorâneas que compreendem a faixa entre a Foz do Rio Itajaí até o Rio Gravatá
eram tituladas a particulares.
Em busca de outras provas que demonstrem a verdadeira localização das
terras de Drummond, a “Anotação nº.06” feita à sua Biografia revela informação
importante, e não menos curiosa:
“Da vargem dos pinheiros se tirou o mastro grande
para a nau D.Sebastião, que foi construída no Rio de Janeiro” (Anotação nº. 6 à
biografia de Drummond, apud Gil Miranda)
Partindo do princípio que Drummond não extrairia madeira de terras
alheias; e analisando o Mapa das Sesmarias do Itajaí Mirim, não é difícil
localizar essa tal “vargem dos pinheiros”.
Como se vê, a segunda Sesmaria – que fica à margem esquerda do Itajaí-Mirim – está exatamente às margens do Rio Espinheiro, ou seja, na vargem do Espinheiro.
Considerando que vargem ou várzea, segundo os dicionários, são “terras
que margeiam rios e ribeirões”; e que a pronúncia entre pinheiro e espinheiro é
de fácil confusão para quem ouve e repete; não restam dúvidas de que Drummond
se apossou das Sesmarias de El-Rei, no Itajaí-Mirim; onde construiu uma sumaca
(barco pequeno de dois mastros), e de lá também extraiu a madeira para o mastro
grande da Nau “D.Sebastião”, construída no Rio de Janeiro.
Embora os projetos de El-Rei fossem promissores em relação a Drummond,
ele não permaneceu muito tempo em Santa Catarina. Da primeira vez, foram sete
meses; e da segunda, pouco mais de um ano. Daí sua afirmação, quando faz uma
emenda à sua Biografia:
"Alguns trabalhos se fizeram no Rio Itajaí,
mas não houve tempo nem meios para os levar a cabo. Todavia, ali se construiu uma sumaca denominada São
Domingos Lourenço, que foi a primeira embarcação daquele lote que passou a
barra do rio Itajaí, carregada de feijão, milho e tabuado para o Rio de
Janeiro. Do Itajaí, mandei a madeira para a obra do museu do Campo de Sant´Ana
e mandei de presente, porque era cortada e serrada à minha custa.”
Apesar dessa vaga e repetida informação – “na margem do Itajaí” ou “no
Rio Itajaí” – o que os registros nos mostram, hoje, é que este Rio era o Itajaí
Mirim e não o Itajaí Açu, como outrora se pensou; e que de certa forma, colocou
Drummond na posição de fundador de Itajaí, em um clássico e histórico engano.
Fontes:
JUNIOR, Silveira. ITAJAÍ. Edição Escalibur; 1972.
LENZI, Rogério Marcos. ITAJAÍ, Outras Histórias. Fundação Genésio
Miranda Lins; 2002.
Pesquisa e Elaboração: Kika
RESGATE HISTÓRICO 01:
HISTÓRICO DA OCUPAÇÃO HUMANA EM SANTA CATARINA:
A REGIÃO SUL:
Nestes mais de 500 anos de História, o Brasil produziu um tipo humano muito peculiar, formador a partir do caldo étnico entre índios, brancos e negros escravos.
Segundo Darcy Ribeiro, o povo brasileiro surgiu “(...) da confluência do entrechoque e do caldeamento do invasor português com os índios e com os negros africanos (...)”
E continua: “(...) Nessa confluência que se dá sob a regência dos portugueses, matrizes raciais díspares, tradições culturais distintas, formações sociais defasadas, se enfrentam e se fundem, para dar lugar a um povo novo. Novo porque surge como uma etnia nacional, diferenciada culturalmente de suas matrizes formadoras, fortemente mestiçadas, dinamizada por uma cultura sincrética e singularizada pela redefinição de traços culturais dela oriundos.”
Assim, essa nova etnia, essa raça mestiça formada a partir das matrizes
principais – indígena; branca e negra – foi-se unificando, na língua e nos
costumes. Era o povo brasileiro que surgia; enquanto assimilava, transformava
ou criava novas expressões culturais e, consequentemente, uma cultura própria,
única e verdadeiramente autêntica.
Em virtude de inúmeras circunstâncias, sejam elas históricas ou por características particulares de localização ou colonização, a Região Sul do Brasil transformou-se em um caldeirão de muitas etnias. Inúmeras raças contribuíram para a formação étnico-cultural do povo do Sul. Alemães, italianos, açorianos, poloneses, espanhóis, ucranianos e japoneses mesclaram-se ao tradicional tripé étnico – índios, brancos e negros – para dar forma e substância ao moderno habitante do Sul.
Inúmeros são os diferenciais que fazem a História do Sul, um dos muitos Brasis que compõem o cenário cultural brasileiro. Uma delas é a estratégica localização geográfica e os objetivos específicos que levaram a uma verdadeira diáspora migratória para colonizar a região.
Na verdade, o Sul foi a única região brasileira onde existiu uma fronteira física, concreta, entre Portugal e Espanha. Em Santa Catarina, encontra-se o principal marco do Tratado de Tordesilhas; e a disputa entre esses dois países pela posse da Região forçou novas estratégias de colonização, proporcionando uma intensa movimentação étnica.
O TRATADO DE TORDESILHAS:
Em meados do século XV, o mundo civilizado conhecia apenas a Europa e o mar. Isso, no entanto, não impedia que muita gente já estivesse de olho em terras ainda não descobertas. E foi um certo navegador genovês, a serviço da Espanha que, quando chegou à América, em 1492, trouxe na bagagem uma série de problemas a Portugal.
E, 1840, Portugal e Espanha haviam assinado o Tratado de Toledo onde “águas e terras ao sul das Canárias seriam exclusivas da exploração portuguesa”. Agora, a Espanha se preocupava em garantir a posse dessas terras, também ao sul das Canárias. Para tanto, o Rei espanhol dirigiu-se ao Papa – autoridade máxima no Ocidente da Época. Alexandre VI, em 1493, através da Bula Inter Coetera, estabeleceu que a linha demarcatória passaria 100 léguas (cerca de 550 quilômetros) a oeste das Ilhas do Cabo Verde. Assim, todas as terras a oeste da linha – e isso dizia respeito à América – pertenciam à Espanha; a leste – a África – pertenceriam a Portugal.
Inconformados, mais uma vez os portugueses recorreram aos espanhóis. Foi então que, em 07 de junho de 1494, Dom João II, Rei de Portugal e Fernando e Isabel de Aragão e Castela, os Reis católicos da Espanha, sedentos por novas terras, assinaram o Tratado de Tordesilhas.
Nessa briga de limites e territórios, o Brasil meridional participou, desde meados do Século XV, dos conflitos latentes que se avizinhavam entre Portugal e Espanha. Com a assinatura do Tratado de Tordesilhas, o sul do Brasil embarcou, de forma marcante com Santa Catarina e Rio Grande do Sul, no contexto da geopolítica ibero-americana e, consequentemente, na geopolítica mundial.
Pela estranha decisão das duas grandes potências mundiais daquele final de século, a linha imaginária – mas muito real na prática – entra no Brasil, ao Norte, pela cidade de Belém do Pará; e sai, mar afora, pelo Porto de Laguna, em Santa Catarina.
A OCUPAÇÃO PORTUGUESA DA COSTA CATARINENSE:
Conforme nos mostra Edison d’Ávila, em sua obra “Itajaí – O Começo da História”, em 1532, quando o Brasil Colonial foi dividido em Capitanias Hereditárias, as terras catarinenses foram incluídas na Capitania de Sant’Ana, doada a Pero Lopes de Souza.
Partindo daí, a ocupação portuguesa e colonização dessa região, a partir do Século XVII, deu-se por conta do interesse da Coroa Portuguesa na exploração de possíveis minas de ouro; e da disputa com a Espanha, que ainda se julgava proprietária das terras catarinenses.
Durante o Século XVII, os paulistas fundaram os primeiros núcleos populacionais do litoral catarinense: São Francisco do Sul (1658); Nossa Senhora do Desterro (1672) e Laguna (1684).
AS TERRAS DO ITAJAHY:
A ocupação das terras do "Rio Itajahy", pelo homem branco, segundo Edson D’Ávila, se deu por iniciativa particular de João Dias Arzão, explorador paulista que, há algum tempo, vinha procurando minas de ouro e outros metais preciosos, pelo interior do Brasil. Em 1658, João Dias Arzão requereu e obteve uma Sesmaria – um lote colonial – às margens do Rio Itajaí-Açu, bem em frente à foz do Rio Itajaí Mirim; onde fixou moradia. Sua intenção, no entanto, não era a de fundar um povoado; queria apenas correr atrás de ouro, empreitada essa que não teve sucesso.
OS PRIMEIROS DONOS DA TERRA:
OS SAMBAQUIANOS:
A palavra sambaqui - derivada de samba ou tambá = concha, ostra; e qui = monte – é de origem indígena e significa cemitério.
Também conhecidos como casqueiros, concheiros ou berbigueiros, um sambaqui é um sítio arqueológico que, em sua origem guarani, significa monte de conchas.
Durante centenas de milhares de anos, os primitivos habitantes, naturalmente dependentes da coleta de frutos do mar; iam acumulando, em local apropriado, os restos e cascas de moluscos. Estes montes iam aumentando, a cada geração, e passaram a ser um local bastante apropriado para construir assentamentos.
Os sambaquianos, povos construtores de sambaquis, consumiam moluscos, amontoavam as cascas e moravam sobre elas; criando, assim, próximo ao mar, um local alto e seco. Nos sambaquis é possível identificar inúmeros vestígios da ocupação humana, como sepultamentos, instrumentos líticos, fogueiras, restos de cozinha com ossos de peixes, aves, mamíferos; além de diversos adornos.
De acordo com o historiador Cristiano S.Amorim, no início dos anos 70, noticiou-se com muita surpresa, a existência de um sambaqui na cidade de Itajaí, sob o título de “Cemitério de Índios em Cabeçudas”.
Diz o Boletim Oficial da Prefeitura Municipal de Itajaí n.06, de 03 de dezembro de 1970: “Observamos que o índio de Cabeçudas sepultava seus defuntos na areia, em muito pouca profundidade, sob o chão (...) da própria casa (...). Os sepultamentos sofreram grandes perturbações; primeiramente, por parte dos próprios índios que continuavam a remexer o sol, fazendo novos sepultamentos, em épocas mais recentes (...). Há 50 anos passados, moradores brancos já encontraram ossadas no local.”
Após o trabalho de pesquisa arqueológica, foram retirados do local 56 esqueletos; 30 litros de seixo; 25 litros de conchas; 20 litros de ossadas de peixes e mamíferos; 05 litros de cacos de cerâmica indígena; 04 machados de pedra polida e 20 pontas de flechas; durante as reformas para ampliação do antigo Iate Clube Cabeçudas.
Outros dois sítios arqueológicos foram descobertos, por acaso, no Bairro
Itaipava, em 1988; quando o proprietário trabalhava nos fundos de sua olaria.
Estes dois sambaquis foram construídos a cerca de 100 metros do Rio Itajaí
Mirim; o que mais uma vez reforça a cultura do Homem do Sambaqui, ao construir
assentamentos próximos a fontes de água doce ou salgada. Parte desse material
resgatado foi transferido para Florianópolis. A outra parte encontra-se exposta
no Parque da Santur, em Balneário Camboriú.
Segundo o IPHAN (Instituo do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) existem 19 sítios arqueológicos registrado no município de Itajaí; sem, contudo, ter-se o conhecimento de qualquer tipo de pesquisa relacionada.
Também no município de Balneário Camboriú, mais precisamente na Praia de
Laranjeiras, foi descoberto grande sítio arqueológico, cujos objetos também se
encontram expostos no Parque da Santur. De acordo com o historiador Isaque de
Borba Correa, dentre os vários esqueletos encontrados, registrou-se a rara
presença de duas índias grávidas, cujos fetos são perfeitamente perceptíveis.
Segundo historiadores, são raros exemplares de apenas quatro existentes no
mundo.
OS INDÍGENAS:
Quando os primeiros colonizadores chegaram às terras junto a Foz do Rio Itajaí Açú, a presença indígena ainda era marcante, em dois grupos distintos: os Botocudos ou Caigangues, do Grupo Tapuia - hoje conhecido como Xokleng.
ANTÔNIO MENEZES DE VASCONCELLOS DRUMMOND - O
PIONEIRO:
A inexistência de qualquer obra e as facilidades econômicas em decorrência da exploração da madeira parece ter sido os fatores que alavancaram o interesse do jovem diplomata carioca Antônio Menezes Vasconcellos de Drummond para solicitar, junto ao Rei, a fundação de uma colônia nas terras de Itajaí.
Assim, por Aviso Real de 05 de janeiro de 1820, o Rei Dom João VI autorizou a fundação de uma colônia às margens do Rio Itajaí Mirim; mais precisamente na região onde hoje é a Itaipava. Com a ajuda de ex-soldados e alguns trabalhadores a região, a idéia de Drummond era construir alojamentos, montar uma serraria manual e cultivar plantações. Entretanto, em 26 de janeiro de 1821, o jovem colonizador recebe ordens para retornar ao Rio de Janeiro, pois o Rei dera por acabada sua missão; frustrando o projeto da instalação da primeira colônia nas terras do Itajaí; e retirando de Drummond, o título de fundador da cidade.
AGOSTINHO ALVES RAMOS - O FUNDADOR:
Partindo do princípio que o fundador nem sempre é o pioneiro, a glória de receber o título de fundador de Itajaí coube a outro nome: Agostinho Alves Ramos.
Entende-se por fundador aquele que toma para si o encargo de liderar o novo povoado que vai surgindo; organizando e fazendo com que prospere em torno de interesses comuns. Foi exatamente isso que aconteceu com Agostinho Alves Ramos, em meados de 1823, quando aportou em Itajaí; oriundo do Rio de Janeiro.
Dentro desse contexto, embora tudo indique que Vasconcellos Drummond tenha sido o primeiro morador das terras do Itajaí, ele não tinha pretensões de organizar um povoado. Por isso, não passou de um pioneiro.
De início, Agostinho adquiriu terras de José Coelho da Rocha e deu inicio à construção de sua casa – que serviu também para abrigar seu comércio – localizada onde hoje é a esquina da Rua Hercílio Luz com a Rua Lauro Muller.
Com intenção de criar um povoado, solicitou requerimento ao Bispo do Rio
de Janeiro para a criação de um Curato. Com a criação do Curato do Santíssimo
Sacramento, em 31 de março de 1824, estava fundada a cidade de Itajaí.
Pesquisa e Elaboração: Kika.
Fontes:
D’ÁVILA, Edison. Itajaí – O Começo da História. 2ª.edição. Itajaí (SC): Fundação Genésio Miranda Lins. Museu Histórico e Arquivo Público de Itajaí; 2001.
FUNDAÇÃO GENÉSIO MIRANDA LINS. Itajaí – Outras Histórias. Itajaí (SC): Fundação Genésio Miranda Lins; 2008.
AMORIM, Cristiano Schauffert de Amorim. Carijós e Botocudos nas terras do rio Itajaí. In: Itajaí – Outras Histórias. Itajaí (SC): Fundação Genésio Miranda Lins; 2008.